Existe classificação indicativa para livros? Essa pergunta me atravessou assim que comecei É quase como voltar pra casa de Janaína Abílio. Julgando o livro pela capa, fui acertada num lugar de afeto e como mãe solo com jornadas múltiplas de trabalho, decidi unir o útil ao agradável e ler o livro com meu filho antes de dormir. E aqui vai o primeiro aviso: tem coisas que crianças não deveriam ter de saber.
Nessa de querer fazer tudo ao mesmo tempo, matar dois coelhos numa cajadada só fui pega de surpresa logo nos primeiros parágrafos ou seriam estrofes? Com cenas mais que eróticas, a poética de Janaína é certamente inapropriada para determinados públicos mas extremamente sedutora para quem quer mergulhar denso.
Minha estratégia naquela noite então foi passear nas palavras com os olhos para ir censurando, taxando, escolhendo o que dizer… Assim tornei É quase como voltar pra casa uma leitura íntima e secreta. Tive meus motivos para levar o assunto para terapia, já que Ava, personagem principal não interdita a si mesma em absolutamente nada.
A ausência de quem a autora escreve é tema de outros clássicos, que certamente é o lugar que É quase como voltar pra casa tem de ocupar. De uma cena comum na vida de muitos brasileiros, tanto que a máxima foi comprar cigarro e nunca mais voltou, ganha um novo contorno aqui. É nesse lugar que Janaína derruba a gente. No humor que fala da morte, da falta, da confusão, da raiva, do querer…
E, se de repente você rir de nervoso ou de espanto, a transferência terá sido bem sucedida. O bluetooth do além foi pareado com sucesso. Entre sexualidades e cheiros de pele, segredos e silêncios, limites e fantasmas, Ava e Elaine, nos convidam para voos panorâmicos por paisagens que gentes comuns passeiam. E para o amor, coisa sobrenatural nos contornos dessas duas mulheres.
Mais uma vez penso que o que Janaína escreve devia vir com um aviso: Cuidado! Risco de capote em emoções complexas eventualmente sufocadas há muito tempo. Eu como resenhista desisto de tentar classificar: drama, suspense, comédia, erótico? Desafio para que faça você mesmo, porque Janaína escreve com a complexidade de uma vida. De quem pensa demais. De quem pulsa dúvida, tristeza, desespero.
O romance escrito na Residência Literária do Bando Editorial Favelofágico é um brinde, um soco, uma voadora na forma, no tema, no jeito de falar. É tiro certo no seleto grupo de autores consagrados no clichê da ausência paterna, sexualidade da mulher, da raça, mestiçagem e beleza suburbanas. E só é assim por que a palavra é arma empunhada por Janaína Abílio, matadora do tédio, escritora de elite.
Ah, um último aviso: É quase como voltar pra casa é contra indicado para leitura no transporte público, se não gosta de chorar no colo de quem você não conhece.