Uma viagem ao coração da cuca de uma personagem extasiante. É isso que o leitor encontrará com Ava, a protagonista de É quase como voltar pra casa. Trata-se de uma mulher libérrima e de uma inteligência desconcertante; e que, talvez exatamente por isso, parece estar condenada a mais perguntas e inquietações do que a achar respostas. Tendo de lidar com o luto do abandono paterno, com a presença (literalmente) fantasmagórica da ex-namorada e com um relacionamento sexualmente (dis)funcional com um homem “que não é nem muito inteligente nem tão estúpido a um ponto insuportável”, vemos o percurso da mente brilhante dessa doutoranda em Filosofia lidando com os problemas que afetam os mais pobres, os mais vulnerabilizados, e até os menos remediados: todos sujeitos que – forçosamente – se tornam equilibristas à beira do abismo. É importante afirmar que Ava é uma mulher negra. Não deveria ser, mas é importante sim. Raramente se vê uma heroína tão negativa, com mesquinhezes e dúvidas, que faz pilhéria com as filigranas existenciais da vida suburbana, das variadas formas de solidão, dos cacoetes da universidade, das borradas fronteiras da sexualidade (da sua e dos outros), falando com tanta displicência de sua negritude (da sua e dos outros). Temos uma narradora que, muito habilidosa, se encontra perdida. Vitória da dialética. A estreia de Janaina Abílio como romancista dialoga com a obra de Bernardine Evaristo, anglo-nigeriana que escreveu Garota, Mulher, Outras. Em É quase como voltar pra casa também os eventos (incríveis) se tornam menores; pois ganha importância o modo como uma boa protagonista retira de seu sarcasmo, de seu cinismo e de sua preguiça a graça do caos.